Biologicamente  nascemos macho ou fêmea, como os demais animais, mas a capacidade  humana de produzir cultura nos diferencia e desde cedo nos travestimos  dos papéis sociais estabelecidos e viramos menino ou menina. É na  infância que as águas ganham divisores, tudo é milimetricamente pensado  (normatizado), desde a escolha dos tons e cores que irão embalar o corpo  e o sono da inocência dos bebês. Com os primeiros passos surgem às  definições através dos brinquedos e das brincadeiras. Aos garotos é dada  a liberdade traduzida no correr, no modo de sentar e por aí vai... Às  meninas a castração que se traduz no cerceamento de desfrutar dos mesmos  elementos de liberdade. Mas o que mais impressiona é que há também o  estimulo a brutalização do masculino, quando é dito que homem não chora.  Ora! Contraditoriamente, nos ensinam na escola que o ser humano possui  canal lacrimal, logo todas as pessoas o podem.
Eis  que os hormônios começam a dar seus primeiros suspiros e chega à  puberdade. Ai, que tempo bom momento das descobertas, aflições e  norteador dos desejos. Mas surgem também os conflitos, as escolhas e o  recheio da pressão. Pressão essa que se traduz distintamente  considerando o sexo e é quando vamos escutar um dito popular bem comum  no nordeste “prendam sua cabra, que meu bode está solto”, ou seja, mais  uma vez o cerceamento da liberdade se apresenta só que agora o foco é o  prazer. Vou abrir uma parte pra mencionar que as instituições família e  igreja historicamente disseminaram sentimento de culpa pelo gozo, nos  fizeram acreditar que uma mulher dada a essas “práticas” feria a moral e  os bons costumes. Bom, mas vamos prosseguir. No tempo da minha avó, ou  melhor, do meu avô, os rapazes tinham a sua vida sexual iniciada no  bordel mais próximo, sob o calor da luz vermelha e como num passe  mágico, pimba! Virou homem. Estranho não é? Esse contexto traz a  reflexão de que a quebra do cabresto vale mais do que valores, que  deveriam ser o sustentáculo da idéia de masculinidade. Ao mesmo tempo  quanto mais o corpo feminino vai ganhando forma e contorno os olhares  policiescos camuflam as curvas para a manutenção da “pureza” a espera  daquele para quem a virgem irá ser destinada a servir e obedecer.  Felizmente isso foi no tempo da minha avó.     
Pois  bem, lembram daquela menina já mencionada? Ao virar de fato uma mulher  já está bem treinada, pois de tanto brincar entre bonecas (com aparência  fidedigna a bebês), utensílios domésticos e miniaturas de material de  limpeza, ela já introjetou a sua “função social”. Mas se na melhor das  hipóteses ela não tiver sua vida limitada ao espaço da casa, certamente  deverá atuar em alguma função que a limitará ao cuidar. Mas será que as  mulheres, ao longo da história, vestiram essa roupa mesmo que não seja o  seu número? A resposta não precisa estar explicita aqui, está nas  entrelinhas do cotidiano, basta dar um giro e constatar que as mulheres  são contorcionistas do seu tempo, pois se livraram das amarras e  ganharam o mundo. Isso é possível? Não só é possível, como óbvio, pois  além de pedreiras, motoristas de táxi, astronautas, engenheiras,  cientistas, garis, mecânicas, atletas, dentre tantas outras atividades,  ganhamos o glorioso mundo masculino das relações políticas e elegemos  uma mulher como representante maior de um Estado democrático. Ah, quanto  avanço! devem estar pensando, mas infelizmente, temos outros paradigmas  a romper, um deles é o preconceito entre os gêneros, pois é o que  permeia as relações de poder existentes entre homens e mulheres, fruto  de uma construção cultural de definições sociais. Assim, a partir do  momento histórico da posse da primeira mulher presidente eleita do  Brasil, todos os holofotes seguirão o mesmo foco, onde qualquer suposto  deslize poderá ser alvo de ataque não por uma questão de gestão, mas por  uma questão de gênero. Caso essa elucubração se transforme num fato, só  teremos que lamentar, devido à incapacidade da sociedade brasileira de  conviver com as diferenças. Por fim, não vamos tratar de sobreposição ou  queda de braços, mas da possibilidade de ressignificar os papéis e a  importância social que masculino e feminino têm na construção de uma  sociedade digna e igualitária.
    Maria da Conceição Freitas                              Caliane Nunes
Coordenadora Geral da CUFA Bahia     Coordenadora Núcleo Maria Maria CUFA Bahia
  Historiadora e educadora social                    Historiadora e educadora social

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